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MANIFESTO da SBTox sobre os exames toxicológicos de ‘larga janela de detecção" para a aquisição


 

A 15 de Maio de 2018.

MANIFESTO

Em maio de 2014, a Sociedade Brasileira de Toxicologia (SBTox) veio a público manifestar-se contra a Resolução 460/2013, que incluía exames toxicológicos de ‘larga janela de detecção’, ou seja, análises em cabelo, pelos ou unhas, para a pesquisa de drogas como obrigatoriedade na aquisição ou renovação da habilitação de motoristas das categorias C. D e E. Na ocasião, foram apresentados em documento, diversos argumentos justificando nossa contrariedade, sendo o principal o fato de que não há nenhuma evidência científica de que a obrigatoriedade da realização do exame toxicológico de ‘larga janela de detecção’ na habilitação e renovação da Carteira Nacional de Habilitação (CNH) tenha impacto na redução de acidentes de trânsito. De fato, o Brasil é o único país do mundo que adota este tipo de medida como parte de uma política pública que visa a redução de acidentes de trânsito. Em adição ao uso de etilômetro, Estados Unidos, Austrália e países da Europa tem monitorado o uso de substâncias psicoativas por motoristas através da coleta e análise de amostras que informam uso recente, como o fluido oral e o sangue, de forma randômica ou quando se há suspeita de uso [1-5]. Na época, o manifesto da SBTox recebeu o apoio de diversas sociedades científicas, conselhos de classe profissional e outras associações.

Em março de 2015, o que era Resolução se tornou Lei Federal (Lei 13.103/2015) e os exames toxicológicos obrigatórios passaram a ser realizados em todo país no começo do ano seguinte (2016) para motoristas que possuem CNH das categorias C, D e E. Dados do DENATRAN, de março de 2016 a junho de 2017 apontam que, neste período, 1.868.907 exames toxicológicos foram realizados, sendo que 29.522 (1,58%) foram positivos. Os dados de prevalência de substâncias específicas detectadas nestas amostras não foram informados. Apesar de ser considerado exame de ‘larga janela de detecção’, o índice de resultados positivos mostrou ser bem menor que os índices encontrados em estudos científicos prévios, nos quais amostras de urina e fluido oral (que demonstram exposição recente) foram coletadas de forma randômica de motoristas de caminhão. O índice de resultados positivos para canabinoides (maconha), cocaína e anfetaminas foram de 5,2% [6] e 9,3% [7] quando analisadas amostras de fluido oral e 8,1% quando analisadas amostras de urina [8].

Os apoiadores da aplicação do exame toxicológico ‘de larga janela de detecção’ cunharam o termo ‘positividade escondida’ para explicar o relativo baixo índice de resultados positivos encontrados até o momento. Alegam que muitos motoristas com CNH das categorias C, D e E, que seriam usuários de drogas ilícitas, teriam migrado para as categorias A e B para não serem detectados no exame [4]. Contudo, não é possível comprovar esta afirmação, e o mais plausível é que estes motoristas tenham solicitado alteração de categoria simplesmente por não exercerem atividade profissional e não arcarem com as despesas de seu próprio exame toxicológico, que está na ordem de R$200 a R$400. Além disso, essa inferência não é baseada em preceitos científicos que postulam uma metodologia a ser estabelecida no delineamento da pesquisa e que comprovem ou não a hipótese formulada.

Apoiadores do exame também afirmam que a medida teria reduzido em mais de um terço o número de acidentes de trânsito em um período de apenas seis meses após a implantação da lei [9]. Entretanto, não é demonstrada, mais uma vez, a metodologia científica utilizada para se chegar a esta conclusão. De fato, essa observação é altamente improvável, haja vista que países desenvolvidos somente alcançaram significante redução de acidentes de trânsito anos após a adoção de políticas amplas de segurança viária baseada em evidências científicas [10-12].

O exame toxicológico de ‘larga janela de detecção’ é ineficaz para o propósito a que se destina e está sendo altamente custoso para os trabalhadores. Estima-se, até o momento, a movimentação de mais de R$ 500 milhões, que tem saído diretamente do bolso de brasileiros. Levando-se em consideração que existe projeto de lei para estender o exame toxicológico para a obtenção primeira habilitação e para as categorias A e B que exerçam atividade remunerada (taxistas e motociclistas) e para todos os motoristas do país (PL 6187/2016 e PL 2823/2011), podemos observar que a conta poderá ficar ainda mais alta para os brasileiros no futuro.

Obviamente, a questão do uso de substâncias psicoativas, seja álcool ou drogas ilícitas, por motoristas e o consequente risco do aumento de acidentes é de grande preocupação da sociedade em geral e da comunidade científica. Contudo, a SBTox, sociedade científica que reúne os Toxicologistas brasileiros, não pode concordar com procedimento oneroso para o país, sem fundamento científico que comprove sua eficácia e sem qualquer paralelo com políticas públicas bem sucedidas adotadas em outros países. Infelizmente, a atual política de segurança viária brasileira relacionada ao uso de drogas no trânsito trafega na contramão daquelas ensejadas no mundo e está sendo conduzida por interesses espúrios sem que a comunidade científica tenha assento nas discussões. Entendemos que somente a adoção de políticas públicas baseadas em evidências científicas fidedignas é que pode recolocar o Brasil no rumo correto.

Atenciosamente,

Sociedade Brasileira de Toxicologia (SBTox)

REFERÊNCIAS:

1. Logan B.K., Lowrie K.J., Turri J.L., Yeakel J.K., Limoges J.F., Miles A.K., Scarneo C.E., Kerrigan S., Farrell L.J. Recommendations for toxicological investigation of drug-impaired driving and motor vehicle fatalities. J Anal Toxicol 2013; 37: 552-8.DuPont R.L., Voas R.B., Walsh J.M., Shea C., Talpins S.K., Neil M.M. The need for drugged driving per se laws: a commentary. Traffic Inj Prev 2012; 13: 31-42.

2. Driving Under the Influence of Drugs, Alcohol, and Medicines (DRUID, 2012). TRB 91st Annual Meeting, 2012. Available at: http://www.druid-project.eu/Druid/EN/Dissemination/downloads_and_links/2012_Washington_Brochure.pdf?__blob=publicationFile (acessed 10 March 2015).

3. Musshoff F., Hokamp E.G., Bott U., Madea B. Performance evaluation of on-site oral fluid drug screening devices in normal police procedure in Germany. Forensic Sci Int 2014; 238: 120-4.

4. Gjerde H., Christophersen A.S., Normann P.T., Assum T., Oiestad E.L., Mørland J. Norwegian roadside survey of alcohol and drug use by drivers (2008-2009). Traffic Inj Prev 2013; 14: 443-52.

5. Davey J., Armstrong K., Martin P. Results of the Queensland 2007-2012 roadside drug-testing program: The prevalence of three illicit drugs. Accid Anal Prev 2014; 65: 11-7.

6. Bombana H. S., Gjerde H., Dos Santos M. F., Jamt R. E., Yonamine M., Rohlfs W. J. et al. Prevalence of drugs in oral fluid from truck drivers in Brazilian highways. Forensic Sci Int 2017; 273: 140–3.

7. Leyton V., Sinagawa D. M., Oliveira K. C. B. G., Schmitz W., Andreuccetti G., De Martinis B. S. et al. Amphetamine, cocaine and cannabinoids use among truck drivers on the roads in the State of Sao Paulo, Brazil. Forensic Sci Int 2012; 215: 25–7.

8. Peixe T. S., de Almeida R. M., Girotto E., de Andrade S. M., Mesas A. E. Use of illicit drugs by truck drivers arriving at Paranagua port terminal, Brazil. Traffic Inj Prev 2014; 15: 673–7.

9. Folha de São Paulo. Congresso na ONU avalia política brasileira que salva vidas. São Paulo, 06 de maio de 2018.

10. National Highway Traffic Safety Administration (NHTSA). Traffic Safety Facts. Washington, DC: US Department of Transportation; 2010. Available at: (accessed 9 June 2017) (Archived at http://www.webcitation.org/6u5PU6PkF on 9 October 2017).

11. Australian Government. Road deaths Australia. Canberra: Department of Infrastructure and Regional Development; 2015. Available at: https://bitre.gov.au/publications/ongoing/road_deaths_australia_monthly_bulletins.aspx (accessed 9 June 2017) (Archived at http://www.webcitation.org/6u5PdulIM on 9 October 2017).12) Eurostat. People killed in road accidents. Luxemburg: European Statistical System; 2015. Available at: http://ec.europa. eu/eurostat/tgm/table.do?tab=table&init=1&plugin=1&language=en&pcode=tsdtr420 (accessed 9 June 2017).


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