Em 17/06/2016 a equipe do Centro de Controle de Intoxicações (CCI) de Campinas participou do atendimento de um paciente de 25 anos de idade que estava em uma festa e foi trazido inconsciente pelo serviço de resgate do Campus. Amigos relataram que viram o colega consumindo selo de “LSD” e álcool. O paciente apresentava sinais de importante depressão neurológica (escala de coma de Glasgow = 7), pupilas mióticas pouco reativas à luz, depressão respiratória com SpO2= 86%, além da saída de secreção espumosa pela boca. Diante desse quadro, foi sedado pela equipe da UER com fentanil e midazolam, sendo submetido à entubação orotraqueal em seguida.
Análises toxicológicas feitas pelo laboratório do CCI (cromatografia gasosa acoplada à espectrometria de massas), em amostras de sangue e urina do paciente coletadas após a entubação, detectaram a presença de fentanil, midazolam, metoclopramida e THC (urina). Não foram detectadas outras drogas de abuso como cocaína, anfetaminas, metanfetamina, LSD, e novas substâncias psicoativas (NSP) como MDMA, NBOMes, derivados da triptamina e catinonas sintéticas.
Em contato com a Superintendência da Polícia Técnico-Científica, os peritos criminais têm reportado que, nos últimos meses, ocorreu importante aumento no número de apreensões de “selos de LSD” contendo em sua composição apenas fentanil como ingrediente ativo (e não LSD), incluindo apreensões na cidade de Campinas. O consumo clandestino de fentanil como droga de abuso, que é cerca de 50 vezes mais potente que a heroína, é um problema mundial, com diversas mortes associadas, tendo sido objeto de notas de alerta recentes tanto nos Estados Unidos como na Europa (vide links abaixo). Nos EUA, os produtos contendo fentanil para uso clandestino geralmente procedem da China e do México, e têm sido vendidos como “heroína”, ou adicionados à heroína para aumento de sua potência.
No presente caso, diante do relato dos colegas do quanto ao consumo de selos de “LSD”, a não detecção de LSD ou NSP nos exames toxicológicos, e a presença de manifestações clínicas à admissão na UER fortemente sugestivas de intoxicação por opióides (miose, depressão respiratória e neurológica), é muito provável que a presença de fentanil detectada nas amostras biológicas coletadas sejam devidas não somente ao fentanil empregado no procedimento de entubação, mas também do uso abusivo de “selos de fentanil”.
Diante dessa situação, sugerimos aos colegas de todos os Serviços de Emergência da região, incluindo as UPA e o SAMU, que fiquem atentos para situações similares, devendo ser realizado o uso de naloxona como antídoto nos pacientes com achados clínicos sugestivos de intoxicação opióide (miose, depressão respiratória e neurológica), com antecedente de abuso de substâncias químicas, como selos popularmente denominados de “LSD”. Lembramos ainda que o uso de naloxona é seguro, e que a administração de fentanil para o procedimento de entubação pode agravar a intoxicação opióide, devendo ser evitada.
Além desse paciente, o CCI também acompanhou o caso de um jovem de 23 anos, procedente de Santa Bárbara e transferido para uma UTI em Americana, que foi admitido em parada cardiorrespiratória revertida com cardioversão, com história de ter consumido “LSD”, ecstasy (MDMA) e álcool. A triagem toxicológica (sangue, urina e saliva), com amostras coletadas antes da sedação/entubação, revelou a presença de MDMA (sangue, urina e saliva) e fentanil na saliva e urina. Por fim, solicitamos que em todos os casos de pacientes com suspeita de abuso de substâncias psicoativas, as amostras biológicas sejam coletadas, se possível, antes dos procedimentos e de uso de medicações, e enviadas para triagem ao laboratório de toxicologia do CCI.
Cordialmente,
Prof. Dr. Fábio Bucaretchi
Coordenador do CCI/FCM/HC/Unicamp
Prof. Dr. José Luiz da Costa
FCF/UNICAMP e Laboratório do CCI/FCM/HC/Unicamp
Farm. Rafael Lanaro
Laboratório do CCI/FCM/HC/Unicamp